quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Quase Epitáfio

Pouco tempo antes da sua morte Rosa Lobato Faria publicou na revista “Women’s Practice” um texto que se pode ler como um Epitáfio e como um testemunho de vida. Admirei-a por aquilo que disse sobre si mesma, pela forma como enfrentou de frente todas as “mazelas” que a vida lhe deu e soube sempre dar-lhes a volta. Admirei-a também pela forma como encarou o envelhecimento e viveu de forma intensa cada um dos seus dias até ao último.
Pessoas assim fazem falta para nos lembrarmos que, de vez em quando, é necessário sacudir o desânimo, a acomodação, erguer a cabeça e seguir em frente. Pessoas assim não se podem esquecer pois são verdadeiramente humanas.

MAZELAS
Aos 77 anos, como é natural, aparecem-nos todas as mazelas. Insignificâncias: uma dor aqui, uma dor ali, nas costas, na perna, na cabeça, uma pequena coisa na pele, na unha, no olho. Não ligo nenhuma, porque a minha pior mazela é não acreditar que tenho 77 anos.
Eu bem me farto de dizer aos quatro ventos a minha idade para ver se interiorizo esse facto, mas, por dentro, estou na casa dos trinta, vá lá quarenta, e não passo daí.
Setenta e sete anos? Que loucura!
Tenho sempre tanta coisa para fazer, para acabar, para ler, para escrever, tanto lugar para visitar, tanto museu para ver e depois as mazelas – ai! -, mas vou, porque tenho trinta anos e, evidentemente, tenho que ir.
Não tenho a noção de ser uma senhora velha. Digo Estava lá uma velhota, ou Imaginem que uma velha... Estou a falar de pessoas provavelmente mais novas do que eu, mas não me enxergo. Até quando irá durar esta idade subjectiva que não me deixa envelhecer tranquilamente?
Só quando me oferecem o braço (já caí na rua e parti a perna, mas nem assim...), quando me sentam no lugar de honra à mesa, quando me dão o assento da direita no automóvel, quando não me dirigem galanteios (que estranho!), acordo para a realidade: ai, é verdade, tenho 77 anos, que maçada...
Ultimamente, tive (ou tenho, ainda não percebi) cancro de mama. Como acho que Deus não me ia mandar esta doença só para me chatear, abri uma campanha de sensibilização (televisão incluída), para que as mulheres façam mamografias. Transformei a porcaria da doença numa coisa positiva. Passei os trâmites habituais: operação, radioterapia, etc. Tudo pacífico. Ainda por cima, o médico disse-me que era pouco provável que o cancro me matasse, porque, na minha idade, as células já não são o que eram... Ai, sim?
Tenho 77 anos, que alegria!

Para Rosa, a Rosa Meditativa de René Magritte