Na sociedade dita “da comunicação” falar tornou-se quase tão necessário e relevante como respirar. A qualidade ou o conteúdo do que se diz, a forma como se diz não são importantes: fundamental mesmo é falar muito, como se esse simples acto de dizer fosse a única forma possível de afirmação pessoal, ou a melhor forma de mostrar aos outros o quanto somos bem sucedidos do ponto de vista social. Tornou-se especialmente popular falar com alguém que não está ali fisicamente, usando para isso o telemóvel (ou, na net, o chat). Há até quem, mesmo quando está rodeado por um grupo de pessoas, faça questão de falar ao telemóvel com alguém que nunca se sabe muito bem quem será, mas que deve ser muito importante para que a pessoa em causa prefira dialogar com quem está à distância, em vez de falar olhos nos olhos com os que estão mesmo ali, à sua volta...
Isto é particularmente visível nos jovens que crescem com um telemóvel colado à orelha. Falam imparavelmente e alguns são incapazes de escutar alguém por mais de escassos segundos. O bom, velho e nem sempre fácil diálogo não será nunca viável como forma de resolução dos problemas para esta nova geração. Nem me parece que eles estejam muito interessados nisso. Talvez seja também por essa razão que a agressão física e a violência verbal são cada vez mais utilizadas pelos jovens como se fossem uma linguagem tão viável como a verbal. Linguagem utilizada sobretudo com os que estão mais próximos do ponto de vista afectivo, aqueles que, justamente, mais deveriam ser capazes de ouvir, e não apenas de falar: namorados, amigos, pais, colegas, irmãos ou entre casais. Em última análise e de uma forma distorcida, a violência física também pode ser, para estes jovens, a maneira de forçar o outro a ouvir o que têm para dizer, ou a forma mais eficaz de se fazerem entender pelo outro. Ainda por cima, quase sancionada pela violência banalizada a que estão expostos todos os dias, em todos os meios de comunicação social. Ainda por cima exacerbada por um excesso de comunicação que, na sua essência, é também ele violento.
É tal como Rubem Alves dizia: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.
A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração... e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor...”
Estamos, de facto, mergulhados em comunicação, mas seria bom interrogarmo-nos de vez em quando sobre que comunicação é esta e para onde é que ela nos está a levar.