sábado, 4 de setembro de 2010

Silêncio para duas vozes

Lídia imaginou um corpo deitado numa praia, ao lado de outro corpo. Eram um homem e uma mulher e falavam. E o que diziam, ou o que a muher dizia, era a tentaiva de um diálogo fundo, mais fundo do que o diálogo de amor que se trava, ao nível do corpo, entre uma mulher e um homem. Ela procurava uma forma de encontro, através das palavras, um encontro que era, antes de mais, consigo própria, e só depois com o homem que escutava. Ou era apenas um jogo de palavras? Hesitou de repente, sem ver claro. Em algum lugar, é verdade, a falsidade começava. Talvez porque a mulher imaginada pressentia que o homem estava parcialmente fora do diálogo e lhe resistia, como se ele representasse, de certo modo, um perigo, e se pudesse finalmente converter numa agressão contra ele próprio. Talvez por medo, sim (pensou), o homem recusasse participar e levar a sério o que a mulher contava, aceitava-o apenas como um passatempo, compreensível numa praia em que todas as horas eram iguais e vazias. Ele estabelecera, portanto, limites tácitos a todas as palavras, verificou, e, se a mulher que falava tentasse ultrapassá-los, ele obrigá-la-ia a retroceder e a alegar que estava mentindo.
(…)
É que ela esperava que o amor fosse uma ponte para outra coisa, disse Afonso, outra coisa que não existia, não existiria nunca, ela forçava obscuramente um caminho através do amor, através dele, uma saída, uma porta, uma passagem, como se o universo fosse de repente abrir-se, alargar-se em direcções diversas – mas não havia no universo dimensões sonhadas, existia apenas o quotidiano, exacto e transparente.

Teolinda Gersão, O Silêncio, Sextante Editora, 2007, 5ª ed.