Escrever é também uma forma de ver. É possível ver o mundo e os outros através das palavras como se elas fossem lentes. Com uma atitude de optometrista escolhemos a palavra X e vemos mais ao perto. Escolhida a palavra Y verificamos que as coisas e as pessoas parecem mais distantes, mais inofensivas ou mais insignificantes. Algumas das palavras-lentes desfocam claramente a realidade, enquanto outras se limitam a distorcer um ou outro traço característico de coisas ou de pessoas. Com certas palavras é como se, de repente, tudo ficasse mais nítido, com cores mais vivas.
E se estamos à procura de uma determinada palavra mas não conseguimos encontrar “aquela palavra”, é como quando saímos à rua e nos esquecemos dos óculos em casa: não é que deixemos de ver ou que sejamos incapazes de ver, mas falta-nos algo de essencial para mediar a nossa percepção do mundo. Assim é também com as palavras. São elas que nos situam no mundo, que nos posicionam junto dos outros e, sobretudo, que nos permitem perceber quem somos e onde estamos.