É hoje inquestionável que existe um fosso cada vez mais profundo entre o cidadão comum e os políticos que lhe (des)governam a vida, da mesma forma que, nestas últimas décadas, se verificou um claro distanciamento entre o público comum e as formas mais elitistas de arte.
Para atrair o público, muitas instituições culturais viram-se de certa forma compelidas a adoptar estratégias de sedução e de aproximação relativamente a esse público mais arredio. Veja-se o caso de sucesso exemplar de muitas iniciativas do CCB em Lisboa ou da Fundação de Serralves no Porto. Só que muitos questionam esta forma de levar ao público sobretudo aquilo que o público gosta, quando o percurso também deveria passar, justamente, pelo inverso: dar ao público novas experiências, até mesmo controversas, para gerar diálogo, discussão de ideias, reflexão; para gerar, no fundo, mais e melhor conhecimento e desenvolvimento. Para muitos críticos, esta forma quase submissa de alimentar o gosto do público para garantir «casa cheia», e o consequente sucesso financeiro, subverte e corrói por dentro aquilo que é talvez a função mais nobre das artes: abrir janelas para o desconhecido, forçar-nos a abandonar por instantes a nossa zona de conforto, a sairmos de nós para chegarmos a compreender e a conhecer melhor os outros.
Compreende-se que o tempo em que os grandes intelectuais, poetas e pensadores europeus faziam escola e criavam movimentos culturais relevantes à mesa do café já lá vai. Compreende-se que é hoje preciso chegar junto do público para o “puxar para cima”, mas, com a crise, o problema está agora em como fazer isso e com que dinheiro.
Esta é claramente uma questão polémica e, talvez até mesmo insolúvel, um pouco à semelhança do dilema do ovo e da galinha. Alguns argumentam que os subsídios à cultura serão sempre um encargo, uma vez que muitas actividades culturais não geram nem nunca virão a gerar qualquer retorno financeiro significativo. Outros, por sua vez, afirmam que a contribuição das artes e da cultura é do domínio imaterial – estariam assim em causa coisas tão importantes como a socialização e a participação cívica consciente e responsável, o sentimento de pertença e de reforço de identidades colectivas, a regeneração e a revitalização urbanas – e, por isso, deve ser apoiada e incentivada por si mesma.
Certo, certo, é que a ministra da cultura não tem tarefa fácil e, no actual estado da arte governativa e económica do país, corre mesmo o risco de ser apenas uma figura decorativa à frente de um ministério que, para além de sair caro em termos de manutenção, também não produz nada de muito relevante e, ainda por cima, alimenta uma verdadeira corte de gente (especialistas, técnicos, programadores e pseudo criadores) que, à pala da cultura e das artes, também não faz lá grande coisa.