quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Espécie de carta ao pai natal

Muito antes de ter lido a Razão de o Pai Natal ter barbas brancas de Jorge de Sena já eu não acreditava no Pai Natal. Vicissitudes várias me desenganaram desde cedo em relação às histórias fantasiosas com que as famílias sustentam nas crianças a ilusão de que o mundo é naturalmente bom, e as pessoas que vivem nele também. No entanto, como metáfora (ou talvez até alegoria) das pequenas satisfações que alguém nos proporciona apenas pelo prazer – seu e nosso – de vir ao encontro de secretos desejos e vontades, a ideia do Pai Natal funciona tão bem como qualquer outra.

Assim sendo, decidi-me a cumprir o ritual infantil, ou talvez nem tanto assim, da “carta ao Pai Natal” para anunciar de antemão a quem de direito o pequeno capricho que espero me seja satisfeito. Claro que não se trata de tarefa fácil, nem sequer óbvia até porque, se assim fosse, o “Pai Natal” desconfiaria com certeza das minhas boas intenções..

E, querido Pai Natal, o que eu gostaria que alguém colocasse no meu sapatinho seria uma tradução/edição portuguesa do Dicionário de Lugares Imaginários de Alberto Manguel. Não é que eu não possa lê-lo na versão original (inglês), na sua tradução francesa, ou mesmo na versão em português do brasil mas, na minha língua materna teria, sem dúvida, outro sabor.

 Para quem como eu se dedica às viagem irrealizadas este guia dos lugares que não constam dos mapas convencionais, mas sim nas melhores páginas da literatura universal, é algo de indispensável. Na sinopse oferecida pela editora brasileira é dito que “O viajante literário tem a oportunidade de conhecer paisagens inusitadas como Frívola, a terra das maravilhas ténues, com seus cavalos tão frágeis que ninguém pode montá-los. Ou Capilária, região povoada por mulheres louras gigantescas que devoram os bullpops (criaturas pequenas e indefesas, semelhantes a órgãos sexuais masculinos). Ou ainda Pauk, uma sala vazia cujo único habitante é uma aranha gigante.” O livro percorre a literatura e os seus lugares como se de um verdadeiro guia de viagens se tratasse. Entre muitos outros, lá estão a Abadia de O nome da Rosa ou o País das Maravilhas de Alice. Tudo enriquecido com mapas, ilustrações e recomendações úteis que muito facilitarão a vida dos afoitos viajantes.

Na edição brasileira tiveram até o cuidado de acrescentar os lugares míticos da literatura autóctone, como a lendária Pasárgada de Manuel Bandeira ou o encantador e bucólico Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Pois então Querido Pai Natal não poderiam também as nossas editoras nacionais(?) agora reunidas em grandes e poderosos conglomerados – que é o mesmo que dizer “endinheirados” –, assim como quem não quer a coisa, disfarçada no meio da abundante literatura sobre vampiros, martirizadas, segredos de alcova e guias de auto-ajuda (que ajudam sobretudo as finanças dos seus autores) mandar traduzir a obra, podendo até enriquecê-la com os lugares míticos da nossa literatura nacional: a Sintra de Byron ou de Eça, o plaino alentejano de Manuel da Fonseca, Mafra segundo José Saramago, a Lisboa pessoana, as “terras do demo” de Aquilino, e tantos outros? Eu acho que és a pessoa certa para os convenceres, com o teu tonitruante ho-ho-ho-ho.

É que num planeta devassado pela tecnologia e delapidado em nome do desenvolvimento e da economia os lugares que nos tocam fundo o coração são cada vez mais estes, os da imaginação. É pois de um guia assim que eu preciso para depois te ir visitar à Lapónia, querido Pai Natal, onde espero ainda vivas em paz, aquecido pelo bafo das tuas renas e de onde partes todos os anos para povoar os sonhos e a imaginação de todos aqueles que ainda podem, ou conseguem, acreditar que o mundo é bom e que o Pai Natal vive nele. Eu cá acredito mais naquela de “o natal ser quando um homem quiser” (e tiver dinheiro) mas, à cautela...