terça-feira, 5 de outubro de 2010

O Burro e a Cenoura, ou a estória pouco edificante dos dias que vivemos

Nestes tempos mais recentes a governação do país tem sido conduzida pelo Princípio da Cenoura. Dito assim poderá parecer estranho, mas é do mais simples que há. Põe-se o Burro (neste caso, o bom do povinho) a andar atrás de uma cenoura (ou seja, de muitas e variadas promessas), estrategicamente colocada ao alcance da vista, parecendo estar a pontos de a alcançar, mas vendo-a sempre escapar à sua frente. Parece absurdo, mas funciona. E enquanto se entretém a tentar apanhar a cenoura o certo é que o Burro, mal ou bem, lá vai caminhando. Como é que este velho truque do mundo rural se aplica às mais recentes medidas e políticas do governo PS? Nada como um bom exemplo para se perceber.

Em novembro do ano passado o primeiro-ministro garantia que até ao final da legislatura não haveria qualquer subida de impostos, por considerar que se tratava de uma “receita errada”. Ó Burro, olha a cenoura. Vá, toca a andar! Já em maio deste ano o primeiro- ministro anunciava ao país que, no primeiro trimestre do ano, Portugal tinha registado o maior crescimento económico da Europa. Ninguém mais tinha notado nada mas Arre Burro, anda lá! Atão nã querem lá ver o malandro! Pelos vistos o Burro não ouviu bem ou então não quis entender e por isso, logo no mês seguinte, levou com o primeiro aumento de impostos no lombo. Disse então o nosso primeiro-ministro que uma só vergastada “era suficiente para este objectivo orçamental e para o do ano seguinte”. O Burro lá começou a dar umas zurradelas pouco convincentes para manifestar o seu descontentamento, pois embora continuassem a mostrar-lhe a cenoura ele é que já não estava a ver modos de lhe meter o dente. E em julho veio mais uma vez o nosso primeiro garantir que não só não congelaria os salários da função pública, como eles até seriam aumentados todos os anos de forma “parcimoniosa”. Sim, que isto de alimentar burros a cenouras sai caro. Mais garantiu que um novo aumento dos impostos seria im-pen-sá-vel. Arre Burro, vá lá a ver se andas para a frente que agora é que a cenoura está garantida! Anda senão ainda levas mas é no focinho! E lá continuou o Burro a perseguir a tão ansiada cenoura mas, chegado a outubro, o primeiro-ministro, assim de repente, anuncia que se acabaram as cenouras. Já não há cenouras nem sequer para continuar a iludir a marcha forçada do Burro. Agora a alimária vai ter que andar mas é na base da vergastada no lombo: Arre Burro!

Claro que todos percebemos como o coração do senhor primeiro-ministro doeu por se ter visto forçado pelo próprio Burro – devido à sua inércia e má-vontade – a dar-lhe todas estas vergastadas no lombo. Claro que todos já percebemos que, nesta fase, esta é a única hipótese de salvação do Burro e da própria carga que transporta, embora já ninguém se atreva a prever se ele conseguirá ou não completar a viagem agora que lhe retiraram até a ilusão visual da cenoura, pois do seu sabor já o Burro nem se lembra, apenas lhe resta assim uma vaga ideia de que deve ser bom. Claro que o Burro também já percebeu que, agora, está metido mas é num grande sarilho.

O que o Burro só não consegue perceber – não porque seja burro, está bom de ver, mas porque, ao que parece, ninguém está muito interessado em explicar(-lhe) as coisas de forma clara – é como é que se chegou a esta situação, uma vez que para o seu governativo dono, respectivos amigos e apoiantes sempre tem havido e continua a haver grande fartura de cenouras (basta ver as megalómanas obras públicas e projectos que se anunciam a toda a hora). Ao Burro é também difícil entender como é que, de repente, meia dúzia de eleitos pelo povo acham que podem entreter-nos a inteligência com uma putativa cenoura para, no momento seguinte, a fazerem desaparecer porque sim, com a indicação de que ainda lhe devemos estar gratos pelos sacrifícios que nos vem agora exigir.

Este Burro em particular também ainda não conseguiu compreender como é que um tão grande poder caiu nas mãos desta tão asinina e (des)governada gente a qual, a acreditar nas sondagens que periodicamente são divulgadas, lá está para continuar. É caso para perguntar se estará tudo burro ou se será apenas carência antecipada de betacaroteno.