“Lamentável” foi o adjectivo que me ocorreu enquanto assistia, ontem, à representação da última peça do Cendrev em parceria com o Teatro del Astillero de Madrid: Flutuando no espaço.
Ao todo, não deviam sequer estar vinte almas numa plateia fria e desconsolada. À semelhança do próprio átrio do teatro, onde não há uma cadeira, um banco confortável, aquecimento, enfim, qualquer coisa que torne a ida lá mais acolhedora ou, pelo menos, mesnos desconfortável. Recordo-me que, enquanto se realizaram obras no museu municipal, havia umas esculturas no átrio que até cortavam a despida frieza do espaço, embelezando-o. Agora, é apenas um vazio desconsolado.
O espectáculo que pretendia ser “provocador, irreverente, incómodo até” afirmava ainda uma intenção programática de arriscar “caminhar por territórios do íntimo, do privado reflectindo sobre a fronteira cada vez mais difusa/confusa entre o público e o privado na sociedade actual.”
Afinal, o texto de Luis Miguel Cruz, bilingue e com algumas passagens multilingues, é uma espécie de patchwork de frases feitas, misturadas com palavrões e referências sexuais explícitas, que se (des)enrola à volta de uma pretensa nave espacial que, pousada no palco,“flutua no espaço” (daí o título). A música dos Beatles funciona como uma espécie de leitmotiv, enquanto os actores debitam anúncios pessoais de cariz pornográfico, arremedam sessões de psicoterapia ou encontros tipo “blind date”. As actrizes desfilam por diversas vezes no palco, de perfil, ao estilo pin-up dos anos 50, usando roupa coleante e com as pernas em evidência sobre saltos altos. Em certos momentos os actores falam inglês com um sotaque péssimo que compromete a compreensão de frases que não são mais do que lugares-comuns do cinema e das novelas: a referência à mulher com cancro e à sua posterior morte é um exemplo paradigmático dos clichés de que a peça é feita. Há uma altura em que, claramente, o espectáculo se arrasta penosamente em círculos.
Enfim, tão confrangedor e absurdo que alguns dos poucos espectadores presentes, em noite de sábado de um fim de semana prolongado, abandonaram a sala antes do termo de espectáculo. Alguma coisa está muito errada numa companhia de teatro que insiste num caminho que acaba justamente por contribuir para aquilo que mais critica e lamenta na política cultural da cidade: o caminho que não leva a lugar nenhum ou o deserto cultural que tem afugentado as pessoas para outras paragens mais interessantes.
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