sábado, 30 de outubro de 2010

Os três da vida airada: cócó, ranheta e facada

Estas últimas semanas têm sido, em termos políticos, um verdadeiro festival. O primeiro-ministro, com uma espécie de máscara funerária no rosto, anuncia ao país que assim não se pode continuar. Não é que lá fora não nos queiram continuar a emprestar dinheiro para comprar bananas, querem é emprestá-lo com juros tão altos que, na prática, é como se as bananas fossem de platina, ou algo assim. Tornámo-nos oficialmente país pouco (con)fiável e, por isso, estamos no top 10 da lista dos possíveis maus pagadores. Prevenindo o futuro, eles emprestam-nos o dinheiro mas cobram-nos elevados juros como forma de minimizar eventuais futuros prejuízos. Assim, caso deixemos de pagar as dívidas, eles pelo menos já não perdem tudo. Tudo isto, claro, cirurgicamente planeado e gerido pela bem oleada máquina da propaganda e da comunicação, de forma a garantir que o nefando orçamento para o próximo ano não levantasse um motim da populaça. E é por isto que os três da vida airada - primeiro-ministro, líder do principal partido da oposição e presidente da república - têm andado numa roda viva.

O primeiro diz e repete em tournée de comícios por esse país fora que este é “O” orçamento que salva o país e, de caminho, protege as famílias e o emprego(!?). Afirma ele ainda do alto estrado da sua presunção que este é “O” orçamento certo, no momento exacto. Aqui há uns tempos dizia mais ou menos o inverso: que as grandiosas obras públicas é que eram necessárias para alavancar a economia e tirar o país do buraco onde já estava enterrado até à cintura. Agora vem dizer que é necessário ficarmos todos na penúria para salvar o país, e que, em vez de gastar, temos é que poupar. E por isso vai dar ele próprio o bom exemplo poupando onde é mais fácil, barato e dá milhões: nos salários da função pública. E, de caminho, aumenta o IVA para garantir que todos pagamos ainda mais. Sobre o que vai ser feito para tentar tirar a economia da recessão em que se encontra, nada, zero. Sobre a desastrosa (des)governação que nos atascou até ao pescoço, nem uma palavra. Sobre a ineficácia óbvia das medidas que tomou anteriormente – aumentos do IVA e de toda a carga fiscal, congelamento de progressões e emagrecimento (?) da função pública, limitação nos aumentos salariais, PEC 1, 2 e 3, etc., etc. - nem uma explicação sequer.

O segundo, líder do principal partido da oposição - faminto de poder e já a salivar com os resultados das últimas sondagens -, começou por fazer de lobo-mau ao declarar enfaticamente que não assinava, não aprovava e não concordava! Depois, aceitou negociar, mas impondo duras e intransigentes condições para mostrar que o lobo-mau, afinal, também sabe ser cordeirinho quando se trata de começar a mostrar aos portugueses que lhe poderão vir a dar o voto como é que se governa um país. E, ao que tudo indica, o IVA dos pacotes de leite com chocolate foi mesmo decisivo para que as negociações chegassem a bom termo!

No meio de tudo isto, o terceiro, actual presidente da república, incansável: reuniões, audiências, visitas, declarações em que diz e em que diz que, afinal, não disse, vocês é que dizem que eu disse, mas eu não disse e apoteóticas aparições públicas de toda a espécie e feitio, sim, que isto, quem não aparece, esquece, como é sabido. Sobretudo agora que já é oficialmente (re)candidato a novo mandato de uma magistratura que, nas suas próprias palavras, era de “influência” e que agora vai ser “activa”. Numa atitude que me pareceu prudente não explicou depois o que significava “magistratura activa”, mas talvez seja aproveitar todas as oportunidades para fazer declarações em directo ao país a dizer que ele já tinha dito, ele já tinha avisado, ele já sabia que ia ser assim...

Como é conhecido, depois de vários episódios e respectivas declarações à imprensa em que cada um procurou o melhor que sabia marcar o território, tudo ficou resolvido, ao serão, em casa do chefe da delegação do PSD - ele próprio um antigo ministro das finanças, que não deixou muito boa memória mas, em política, o tempo lava sempre mais branco, como sabemos – num ambiente familiar, informal e de saudável confraternização, com direito a fotografia no telemóvel e tudo!! (Não terão também actualizado as respectivas páginas do facebook e feito seguir a mensagem para os seguidores no twitter?...) Assim se concluiu uma espécie de jogo de pingue-pongue entre dois adversários que, embora usem equipamentos de cor diferente, são, afinal, muito semelhantes. Sobretudo na ambição desmedida e na falta de escrúpulos. Por isso andam tão empatados. Ou ainda haverá dúvidas de que, para estes dois, os fins justificam os meios? Sem esquecer, claro, essa espécie de árbitro que quer ficar de bem com deus e com o diabo, valendo-se dos seus pergaminhos de economista - já um tanto amarelecidos e ultrapassados -, para justificar a sua permanência no cargo. Por fim, lá dormiu mais descansado: tudo está bem quando acaba bem, Maria, e ainda não foi desta que tive de tomar uma decisão realmente... decisiva.

E aí o temos agora “O” tal orçamento que vai permitir ao país continuar a endividar-se alegremente lá fora para que, cá dentro, empresas e famílias possam continuar a viver a crédito e acima das suas reais possibilidades, e também para manter as mordomias de uns quantos e pagar a outros como se fossem os salvadores da pátria e não simples gestores competentes. (Ou não é isso que se deve exigir e esperar de alguém que gere uma empresa?) Todos os dias ouvimos os apelos à contenção das famílias no que ao crédito diz respeito, mas é agora o próprio estado que, com este orçamento, dá o pior dos exemplos. Ainda por cima numa conjuntura económica e internacional que já não é só difícil, é irreversível. Os gloriosos anos 80/90 do consumo desmedido, do crescimento imparável e da especulação desenfreada já lá vão. Já todos percebemos que os próximos tempos serão de salve-se quem puder, de olho por olho e dente por dente, na europa e em toda a parte.

Também já percebemos como todo este circo mediático apenas serviu para que engolíssemos a pílula, mesmo sem água. E há que o dizer: nisto, os três da vida airada foram profissionais, pois com o anúncio oficial de que se o orçamento não fosse aprovado vinha aí o bicho-papão comer-nos a todos, até respirámos de alívio quando nos disseram que se tinham entendido e que tudo se resolveria pelo melhor!!?

Mesmo maldizendo e resmoneando entre dentes, quase ficámos contentes por saber que, afinal, não precisamos de enfrentar o bicho-papão: basta-nos curvar o espinhaço ao peso dos impostos e do custo de vida, basta-nos pagar, pagar, pagar e pagar mais ainda. Até ver, só mesmo a vida destes três – cócó, ranheta e facada - é que vai airada. A nossa nem por isso.

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