No seu Atlas das Línguas em Risco a Unicef afirma que existem seis mil línguas em todo o mundo. Cerca de 2500 correm já hoje sério risco de desaparecimento e 199 são faladas por menos de dez pessoas. Na prática é como se já estivessem mortas, pois para sobreviver uma língua tem que ser falada por mais de cem mil pessoas e, se não for usada por mais de 30% das crianças, começa a correr risco de extinção.
A esmagadora maioria das línguas inventariadas no Atlas da Unicef (90%) não está representada na internet o que, num mundo globalizado e a muito curto prazo, pode significar a sua extinção. Quatro por cento dessas línguas são faladas por cerca de 97% da população mundial e algumas previsões indicam que, em 2100, 90% das línguas actualmente existentes estarão extintas.
De uma maneira geral é nos países com maior diversidade linguística que este risco de extinção é maior. Contudo, também esta regra apresenta excepções, como é o caso da Papua Nova Guiné: no seu território falam-se nada menos do que 800 línguas e, destas, só 88 estão em risco de extinção. E não é caso único: as línguas aymara e quechua no Peru, a língua maori na Nova Zelândia e a língua guarani no Paraguai conseguiram recuperar com sucesso de uma quase extinção.
Ora, ao longo da história da humanidade sempre houve línguas que se extinguiram, tal como também desapareceram civilizações inteiras, quase sempre por razões diversas. O que está agora diferente, segundo a Unicef, é o ritmo acelerado a que essa extinção está a acontecer. As causas desta extinção em massa são muitas e de grande complexidade: há línguas mais apetecíveis do ponto de vista económico do que outras, como é o caso do inglês, por exemplo; há ainda um discurso nacionalista disseminado a nível global que desde o séc. XIX se apoia muito na ideia da homogeneidade e, consequentemente, no conceito de uma língua nacional, que constitui a norma padrão à qual todas as outras se submetem. Isabel Tomás (Univ. Nova de Lisboa) aponta ainda três tipos de morte para as línguas: a morte súbita provocada pelo desaparecimento catastrófico de todos os seus falantes (genocídio); a morte radical provocada por uma forte repressão política; ou ainda a morte gradual provocada pelo abandono por parte dos seus falantes (que adoptam a língua dominante, com maior prestígio ou mais valor no mercado) que cessam assim de a transmitir às gerações mais novas. Também as línguas que não têm uma forma escrita (ou seja, ortografia oficial e gramática) têm mais dificuldade em sobreviver. O mais grave de tudo é que a extinção de uma língua conduz também ao desaparecimento de tradições, da cultura e dos conhecimentos acumulados ao longo de séculos que lhe estão associados. Ou seja, a humanidade fica culturalmente mais pobre sempre que uma língua se extingue.
Depois há ainda a complexa questão da classificação do que é língua e do que é dialecto. O linguísta Hugo Cardoso considera que, muitas vezes, a distinção é mais sociocultural e política do que apenas linguística. É o caso da ex-Jugoslávia onde os dialectos passaram a ser considerados como línguas por mera decisão política, tornando-se desta forma uma manifestação de soberania dos novos estados. Em países como a China, pelo contrário, os dialectos são tão distintos entre si que poderiam ser classificados como línguas de plenos direito mas, para garantir a homogeneidade e a coesão nacional, o estado centralizado impede que tal aconteça. Certo também é, que quando um dialecto passa a ser considerado língua fica, de certa forma, protegido.
Porém, salvar uma língua da extinção não é fácil: requer que seja ensinada nas escolas, utilizada nos meios de comunicação, nas cerimónias religiosas, na literatura, até mesmo no aparelho burocrático do estado e, sobretudo, que a sua comunidade de falantes esteja interessada e motivada para evitar o seu desaparecimento. Veja-se, a este propósito, o que está a acontecer ao mirandês que, pouco a pouco, está a ser transmitido para as gerações mais novas, ou com o patuá de Macau que está a ser recuperado por uma questão de identidade e para manter vivas as referências culturais dos seus falantes.
Em muitos casos, contudo, pouco mais há a fazer do que documentar e registar para estudar depois e para perpetuar a memória. Foi o que aconteceu agora com o crioulo indo-português de Cochim, nascido no séc. XV da interacção entre o português e o malaiala, cujo último falante – William Rozario – morreu recentemente. É, aliás, o que está a acontecer com muitos dos crioulos nascidos da nossa expansão marítima. As estatísticas dizem mesmo que a cada duas semanas há menos diversidade linguística no mundo, ou seja, estamos a desmantelar a Torre de Babel.
A Torre de Babel de Pieter Brueghel, o Velho |
(Síntese do artigo de Francisco Gorjão Henriques intitulado “Rozario morreu e com ele uma língua inteira”, Público, 20/10/2010)