1. A língua
Há uns meses atrás escrevi aqui e disse que o Brasil, para defender dos seus próprios interesses em África e não só, tem feito pela língua portuguesa, tanto em termos de divulgação como de promoção, tudo aquilo que Portugal - seu território de origem - não tem, mas deveria ter feito: refiro-me apenas à criação do Museu da Língua Portuguesa em S. Paulo e ao Acordo Ortográfico (porque do ensino da língua é melhor nem falar). Em relação a este último, ficou bem claro que, com a nossa proverbial passividade e espírito de "deixa andar", quando nos demos conta do que se estava a passar já não havia muito a fazer e o (des)Acordo Ortográfico é, sobretudo, o que o Brasil entendeu fazer dele e com ele. Nós limitámo-nos a assinar de cruz.
Em relação ao Museu da Língua Portuguesa, o Ministério da Cultura (no pretérito reinado de Isabel Pires de Lima), certamente embaraçado com esta falha gritante, ainda pensou em fazer qualquer coisinha do género alí para os lados de Belém, mais propriamente no edifício do Museu de Arte Popular. Para não se tornar tão óbvio que, por incrível que pareça, mais não éramos do que macaquinhos de imitação, chamar-se-ia Museu do Mar e da Língua Portuguesa. Chegou a apontar-se a sua abertura para o ano de 2008, para poder beneficiar ainda de fundos comunitários, num investimento que rondaria (mais coisa, menos coisa) os 2,5 milhões de euros. Foram até estabelecidas parcerias com o Ministério da Ciência e falou-se da hipótese de o Centro Ciência Viva também vir a integrar o projecto. Contactou-se ainda a Fundação Roberto Marinho, patrocinadora do museu brasileiro, para a cedência de software e para a "partilha de experiências", no sentido de se replicar em Portugal a ideia de um museu que não tivesse um único objecto exposto, mas em que o visitante pudesse de forma interactiva conhecer e compreender melhor a sua própria língua.
Com a saída da ministra, os cacos do projecto foram varridos para debaixo do tapete e não mais se voltou a falar do assunto. E nem me parece que o assunto volte a ser referido pois, se na época dita "das vacas gordas", não houve grande interesse em fazer o Museu, agora que as ditas vacas estão a morrer à fome, mesmo que houvesse interesse (que continua a não haver) faltariam certamente as verbas necessárias para o concretizar.
2. A literatura
Mas não é apenas na defesa da língua que o Brasil vai à frente. O mesmo está a acontecer com a divulgação da literatura portuguesa (sim, do território português e não a de expressão portuguesa). É por isso que hoje, na Casa Fernando Pessoa, será apresentado o Dicionário de Escritoras Portuguesas, um ambicioso projecto da autoria de três professoras de Literatura Portuguesa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte: Conceição Flores, Constância Lima Duarte e Zenóbia Collares Moreira.
Este projecto de investigação, que teve início em 1985, é constituído por cerca de duas mil entradas, abarcando uma cronologia alargada: do séc. XV até à actualidade. Apresenta todas as escritoras consagradas, mas também nomes conhecidos apenas a nível local e regional, ou até no mais restrito círculo dos amigos e da família. Segundo noticia a Lusa, "Resgata muitos nomes ao esquecimento e ao ostracismo, identifica pseudónimos através de verbetes remissivos, colige informações dispersas de tempos diferentes, congregando mulheres que ao longo dos séculos publicaram ou deixaram os seus textos manuscritos, os quais foram posteriormente redescobertos pelos investigadores/as. Os verbetes reúnem informações biográficas e bibliográficas, munindo o leitor de dados que, regra geral, ele não encontra agrupados, o que constituí um instrumental indispensável para alunos, professores, investigadores e todos aqueles que se interessam pela literatura escrita por mulheres."
Considerações feministas (ou machistas à parte), esta é, sem dúvida, uma obra importante para se conhecer melhor a história da nossa literatura no feminino. E também não duvido de que se tornará numa obra de referência obrigatória em tudo quanto é bibliografia escolar e académica (e não só). Já quase nem me espanta que, mais uma vez, venha de terras do Brasil para cá. E quase aposto que já deve haver, algures numa universidade brasileira, uma equipa semelhante a tratar de elaborar a versão masculina do dito dicionário. Assim se salvaguardará a igualdade de géneros (pacificando assim os ânimos mais exacerbados) e se consolidará o conhecimento sobre a nossa própria literatura nacional. Só temos é que agradecer aos brasileiros este interesse que, pelos vistos, nós próprios já perdemos ou, pelo menos, temos descuidado muito. Mas deveríamos era pensar que, ao fazer isto, o Brasil está sobretudo a velar pelos seus próprios interesses e futuros proveitos e começar a aprender também como se faz.