quarta-feira, 10 de março de 2010

Arqueologia, paralelismos e especulações

Em Junho de 1935, no primeiro número da revista «Sudoeste» (de que foi, aliás, editor) Almada Negreiros escrevia que “Portugal oferece-nos o aspecto de
1) Uma nação formada.
2) Um Estado a formar-se.
3) Uma sociedade inculta.
4) Um povo novamente à procura da sua dinâmica própria.”

Ora em 2010, setenta e cinco anos depois, Portugal debate-se exactamente com os mesmos problemas. Que monotonia de país!

Já sobre a Europa, escrevia que “Terminado o império romano e emancipados os povos, formam-se depois as várias nacionalidades e substitui-se a unidade política da Europa da Roma dos Césares pela unidade política da Europa legítima.
Entregues os povos aos seus próprios governos, a unidade da Europa está na ligação de todos pela mesma fé geográfica e telúrica.
Trata-se de formar as várias civilizações particulares da civilização geral europeia. Trata-se de guardar no todo da Europa o perfil de cada um dos seus particulares.”

E, de facto, a ‘utopia’ que levou à criação da CEE/UE em 1965 não foi mais do que a expressão desta vontade. Só que a grave crise mundial com que se iniciou este milénio, trouxe-nos o confronto com uma nova realidade, também ela claramente explicada há 75 anos atrás por Almada Negreiros: “A unidade espiritual da Europa entra hoje na sua maturidade. Os povos já não terão por inimigos o estrangeiro que lhes justifique as lutas pela independência. Hoje a independência dos povos assenta sobre si mesmos, adentro fronteiras, corre mais perigos e tem menos inimigos estranhos.
A unidade espiritual da Europa ao mesmo tempo que ilumina melhor também ameaça mais a independência de cada nacionalidade do que o estrangeiro à porta.
(...) Afinal, na europa, não há senão casos particulares de europeus: o caso russo, o caso alemão, o caso inglês, o caso francês, o caso português, o caso espanhol, etc. Os diversos e determinados casos da Europa. Os diversos, determinados e legítimos casos da Europa.”

Basta ver as notícias que nos chegam diariamente do “caso particular” da Grécia, berço cultural, civilizacional e linguístico da própria Europa para percebermos que a coisa é bem séria. Está é ainda por provar se a Europa desta União Europeia entrou, de facto, “na sua maturidade” e se os povos europeus, entregues a si mesmos e sem “inimigos às portas” terão capacidade para resolver os problemas económicos, sociais e políticos com que se debatem dentro das suas próprias fronteiras. Afinal, já todos percebemos que esta crise, sendo mundial, tem mesmo força para ser uma questão “de vida ou de morte para cada nacionalidade”.

Em 1935, quando Almada Negreiros escreveu estas palavras, nuvens de tempestade amontoavam-se já sobre a Europa e o desfecho foi o que sabemos: a segunda guerra mundial. Ironicamente, foi na sequência deste conflito à escala global (e também graças a ele) que muitos países, nomeadamente os Estados Unidos, superaram a grave crise económica com que estavam confrontados desde 1929. Foi também graças a ela que novas potências económicas, como a Alemanha, se (r)estabeleceram de forma sólida na própria Europa.

Vamos ver o que dá a grave crise global com que o mundo se confronta hoje. O problema é que agora não há muito ‘espaço de manobra’ para uma terceira guerra mundial: matamos o quê?, com quê?. Com o armamento de que dispomos, duas bombas chegam para erradicarmos o próprio planeta e ainda não dispomos de colónias no espaço (tanto quanto sabemos!) para que, pelo menos alguns, possam escapar a um armagedão de proporções bíblicas. A situação de conflito latente tem, pois, que ser resolvida (ou pelo menos aplacada) com prudência e sabedoria.

Mas penso que Portugal pode aqui dar uma ajuda. Temos grandes gestores e administradores a decidir negócios com a ajuda de robalos. Muita tinta tem sido gasta sobre esta questão que, se calhar, mais não é do que uma velha abordagem para uma nova situação. Talvez tudo não passe de várias formas do mesmo fluxo contínuo de eventos que vem desde o início dos tempos e da própria história: é que os romanos, por exemplo, também sacrificavam animais para, nas suas entranhas, decifrarem os augúrios, bons ou maus, que o futuro lhes reservava. E depois agiam em conformidade. Ora, a julgar pelo que tem sido divulgado através da comunicação social, as duas personagens implicadas nesta verdadeira “peixeirada” até nem se deram nada mal na vida. Podemos por isso concluir que a técnica do robalo funciona bem.

Assim sendo, talvez fosse boa ideia que alguém próximo do nosso Primeiro Ministro (afinal é ele o “chefe máximo”) lhe desse esta sugestão: usar robalos para decifrar o futuro dos grandes investimentos públicos e medir com precisão o buraco negro do défice. Talvez as coisas comecem a correr melhor. E mesmo quando for lá fora participar numa daquelas cimeiras internacionais ou em visitas de estado deverá fazer-se sempre acompanhar de uma caixa dos ditos para garantir que não assina nada “de cruz”.

PS - Qual “sigamos o cherne”, qual carapuça! Sigamos mas é o robalo e encontraremos com certeza o pote de ouro no fim do arco-íris.