domingo, 14 de março de 2010

Fazer o luto também é uma música assim

A cantora e compositora Corinne Bailey Rae tornou-se conhecida em 2007 quando lançou o seu primeiro cd. Um ano depois a sua vida foi sacudida pela tristeza e pelo sofrimento. Lançou agora um novo trabalho – The Sea – onde assume que faz o luto pelo marido pois, como explicou, “Quando faço música, sinto que é o único momento em que não tenho que pensar nem inventar. Foi assim que este álbum surgiu. Nada é inventado ou imaginado. Tudo é sincero.”. Ao ler estas palavras lembrei-me do poema "Ícaro" de José Régio: 
A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mãos postas e adorei-a.

Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidões desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia...

Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silêncio gelou em derredor...
E eu levantei a face, a tremer todo:

Jesus! ruíra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.

in 'Poemas de Deus e do Diabo'

Há na vida momentos em que a Dor fala mais alto, ou é mesmo a única que consegue falar...