quarta-feira, 3 de março de 2010

Passagem de testemunho

Urbano Tavares Rodrigues foi entrevistado para o jornal "ionline" (4/2/2010) e manifestou a sua preocupação sobre a forma como o filho [António, de quatro anos] o vai recordar:

“Tenho um texto escrito já há um tempo que se chama "Meu António Querido, quando fizeres dez anos vais ler estas palavras". Ocupa uma folha e explica quem eu fui, como eu gostava que ele me visse e como eu gostava que ele fosse. (...)”

Achei tocante e ao mesmo tempo doloroso este “testamento de palavras” (que é também um acto de amor) de um pai que não verá o filho atingir a idade adulta, mas quer dizer-lhe quem foi, o que sente por ele e o que dele espera. Suponho que não deve ser mesmo nada fácil o convívio desta paternidade aos 87 anos de idade com a consciência de que o fim se aproxima: “(...) Penso em como lhe vou fazer falta, não sei como vai ser a vida dele sem mim. Claro que a minha mulher tem possibilidades de o sustentar, mas a vida dele sem mim assusta-me.”

Recordei-me depois que Eugénio de Andrade escreveu igualmente um muito belo “testamento de palavras” para o afilhado Miguel (curiosamente, também tinha na altura quatro anos). Embora de forma diferente, nele manifesta preocupações semelhantes com o futuro daquela criança tão amada.

Mais do que “testamentos”, são passagens de testemunho de um sentimento que, ao contrário dos bens materiais, ficará para sempre.