sexta-feira, 12 de março de 2010

Da violência na escola

O chamado bullying em contexto escolar saltou para as primeiras páginas dos jornais. As razões mais recentes para este interesse público ainda não estão esclarecidas e, como é habitual nestas coisas dos inquéritos e das investigações em Portugal, nem nunca virão a sê-lo. Provavelmente, nunca saberemos se o que aconteceu em Mirandela foi, de facto, bullying, ou se foi um caso extremo de violência, de contornos complexos, envolvendo escola, família e comunidade numa responsabilidade partilhada. O que sabemos é que todos os dedos estão já apontados para a escola. Nestas situações difíceis de digerir é sempre bom haver um bode expiatório! Muitos especialistas têm vindo à televisão opinar, explicar, acusar, aconselhar, blá, blá, blá...

Certo é que a escola pública é mais uma vez chamada a responder a múltiplas acusações e a prestar contas por uma coisa que não poderá nunca resolver, pois este problema não diz respeito exclusivamente à escola, mas sim à sociedade no seu todo. Por isso, já nem me espanta que ninguém, nem sequer um único dos seus superiores responsáveis, tenha pronunciado uma só palavra em defesa dessa mesma escola (pública, a tal inclusiva e para todos) e dos que nela trabalham.

Quem trabalha no ensino sabe que ninguém terá a coragem de assumir a verdade: que, por um lado, a escola, e de igual modo as funções sociais e educativas que lhe estão atribuídas, estão desacreditadas no actual contexto de crise social e económica, e que, por outro, os professores foram deliberadamente descredibilizados e desautorizados perante a opinião pública. Em suma, perante casos de bullying, de violência, de indisciplina, de simples incumprimento de regras básicas em sala de aula, a escola está manietada e refém de legislação inútil e quase sempre impeditiva de uma actuação eficaz, preventiva ou exemplar.  Basta ler o estatuto do aluno e o estatuto do professor para perceber isso mesmo. Também não é difícil a qualquer um, desde que o queira fazer, compreender como tudo isto vai fundo na sociedade e como terá consequências de que só agora nos começamos a aperceber através das tristes notícias da comunicação social.

Num daqueles mails que circulam por aí recebi há tempos um cartoon de Quino intitulado “Os Valores do Séc. XXI”. São eles:


Naturalmente que estes valores não surgiram só agora. Eles marcaram já, e muito, as duas últimas décadas do século passado, mas  tornaram-se dominantes nesta primeira década do século XXI. Ora a geração do bullying, da violência e afins é justamente esta que Quino descreve e que já foi formada dentro destes valores pela família e pela própria sociedade.

Muitas crianças e adolescentes dedicam-se hoje à violência porque, tendo tudo e fazendo tudo quanto querem, se sentem aborrecidos e profundamente entediados. São violentos porque sim, nem eles sabem bem explicar porquê. Para eles, humilhar os colegas é tão banal como jogar no computador. Pessoas e figuras animadas têm para eles valor idêntico: é tudo diversão. O sofrimento físico ou psicológico dos outros, especialmente dos mais fracos ou frágeis, desperta-lhes apenas indiferença ou  desprezo. Como num qualquer jogo de guerra virtual, caminham pelos corredores da escola, na perseguição das “vítimas-alvos a abater” e, ao final do dia, fazem a contagem dos pontos ganhos.

Por isso, o que nos devia inquietar a todos não é apenas o que a escola pode ou deve fazer para resolver o problema do bullying. O que nos devia inquietar a todos, e muito, é que estes jovens, formados dentro de um quadro axiológico distorcido e mesquinho, estão a consolidar a sua personalidade dentro dos princípios violentos do bullying e vão transportar isso para todos os domínios da sua vida: pessoal, familiar, profissional, social, até política. O que nos devia inquietar a todos, e muitíssimo, é a sociedade futura que estamos, agora, a construir.