segunda-feira, 22 de março de 2010

A história faz-se sobretudo com papéis

José Mattoso é um dos mais importantes medievalistas portugueses. Tem 77 anos de uma vida preenchida pela docência (professor catedrático jubilado da Universidade Nova de Lisboa) e pelos múltiplos projectos em que foi participando: fundou e dirigiu o Instituto Português de Arquivos (1988), foi director da da Torre do Tombo (a partir de 1996), esteve cinco anos em Timor-Leste a (2001-06) a estudar, a organizar e a disponibilizar para consulta o Arquivo da Resistência. Nestes últimos quatro anos foi o coordenador científico de uma equipa de quinze pessoas que estudou, inventariou e registou o arquivo do antigo Ministério do Ultramar. O inventário da documentação já tratada está disponível online, desde o passado mês de Fevereiro, no portal  http://arquivos.ministerioultramar.holos.pt/. No entanto, o trabalho ainda não está concuído. Entre o espólio que falta ainda tratar encontra-se o Arquivo Histórico-Ultramarino onde está incluída toda a documentação do gabinete do ministro do Ultramar, que se "antevê sumarenta", como afirma o historiador. Mas esse é um projecto que ainda aguarda financiamento por parte da Fundação Gulbenkian, a qual já financiou também esta primeira parte do projecto.

A pretexto de tudo isto, Mattoso foi entrevistado esta semana pelo Expresso (in Actual, #1951, 20/3/10), mas não só. Nela começa por considerar que "um bom indicador do desenvolvimento de um país é a forma como trata os seus arquivos" e critica a mentalidade nacional que encara os arquivos como "arrecadações de papéis velhos, profundamente desprezados". Ácrescenta ainda que arquivar não é seleccionar: "Seleccionar porquê? Com que critérios? A selecção acaba sempre por ser ideológica. Ora, na história temos de utilizar todos os documentos e não só alguns. Papéis são papéis: não há bons nem maus."

Sobre as investigações históricas que realizou ao longo da vida considera que "Se voltasse a escrever sobre os mesmos assuntos desenvolveria nesta ou naquela direcção. Muito do que escrevi precisaria de ser corrigido. A história é sempre inacabada! Tudo quanto se escreve corresponde a um estádio da investigação". Conclui depois com uma síntese sobre a interligação entre o trabalho do arquivista e o do historiador: "a história é uma ciência viva, que se faz e refaz. Há sempre equívocos e novas interpretações. É preciso que haja material e talento para a actualizar."

De momento não está envolvido em nenhum projecto profissional, deixou de investigar (ofereceu a maior parte da sua bilbioteca pessoal ao Campo Arqueológico de Mértola)  e vive uma espécie de "aurea mediocritas", tal como a preconizava Horácio: descansa e lê tranquilamente os clássicos que nunca teve tempo de ler, como é o caso do historiador grego Tucídides. Descanso bem merecido (digo eu!).