sábado, 6 de março de 2010

Leitura pessoalmente conveniente de política inconveniente

Em 1848, Henry David Thoreau escreveu "A Desobediência Civil", no qual incitou os americanos a rebelarem-se contra um governo e uma Constituição que consagravam a escravatura e apoiavam a invasão do México para alargar o território. As ideias revolucionárias que contém têm sido (ab)usadas, sem terem em conta esse contexto específico, para dar cobertura a todo o tipo de ideias e propostas, das mais legítimas e sensatas às mais absurdas. Mas é como diz Thoreau quase no fim do texto: “Se um homem é livre, quando pensa, quando imagina, quando fantasia, dando existência a coisas que não existem, não há governante, não há reformador que possa colocar-lhe travões.”.

Foi a pensar nisto que tomei a liberdade de fazer a minha leitura de um dos melhores textos libertários de sempre. (Ah, e podem os governantes dormir tranquilos que não vou apregoá-la em nenhuma tribuna pública):

“O governo é uma espécie de espingarda de madeira na mão das pessoas. Mas isso não o torna menos necessário porque as pessoas precisam de ter uma máquina complicada, precisam de lhe ouvir o estrondo, para satisfazerem a ideia que têm de governo. Os governos são, assim, a demonstração de como os homens impõem facilmente o seu domínio e o impõem em proveito próprio, até mesmo quando o impõem a si próprios. Uma boa coisa, havemos de concordar. (…)Mas, falando na prática como cidadão, desvinculando-me dos que a si próprios se denominam antigoverno, não defendo agora a ausência de governo, limito-me a exigir, no imediato, um governo melhor. "(…)"Ao fim e ao cabo, a razão prática pela qual, tendo o povo o poder na mão, o entrega a uma maioria, que o conserva durante um longo período, não é porque essa maioria tenha razão, ou porque a minoria o considere justo, mas só porque a maioria dispõe de maior força. Mas um governo em que domine sempre a maioria não pode basear-se na justiça, tal como os homens a entendem." (…)

"Terão os cidadãos, por um momento que seja, mesmo em grau ínfimo, de submeter a sua consciência ao legislador? Eu penso que devemos ser primeiro homens e só depois súbditos. Não é desejável que se cultive o respeito pela lei, tanto quanto o respeito pela justiça. A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de, em todas as alturas, fazer o que julgo justo. Afirma-se muitas vezes e com razão que uma corporação não tem consciência. Mas uma corporação de homens conscientes é uma corporação com consciência. Nunca a lei tornou um homem mais justo; é por causa do respeito pela lei que até alguns bem-intencionados se tornam todos os dias agentes da injustiça." (…)

"Seja como for, o governo não me preocupa nada e a minha vontade é pensar nele o menos possível." (…)

"A evolução duma monarquia absoluta para uma limitada e desta para uma democracia é o progresso do respeito pelos indivíduos. Até o filósofo chinês tinha saber suficiente para considerar o indivíduo como a base do império. Será a democracia, tal como a conhecemos, o último melhoramento possível do acto de governar? Não será possível dar-se mais um passo no reconhecimento e na organização dos direitos do homem?" (…)

"Dá-me prazer imaginar um Estado que possa finalmente fazer justiça aos homens e tratar os indivíduos com respeito, como os vizinhos entre si. Sem se convencer de que atentam contra a sua tranquilidade os homens que dele se distanciam, os que não se intrometem nos problemas dele, os que não se deixam dominar por ele, os que cumprem todos os deveres da boa vizinhança e da boa camaradagem. Um Estado que fosse capaz de produzir esse fruto e concordasse em deixá-lo cair no chão assim que ele estivesse maduro abriria caminho a um outro Estado ainda mais perfeito e glorioso, que eu por sinal também já imaginei, mas que ainda não encontrei em parte alguma." (...)