segunda-feira, 29 de março de 2010

Voltando ao (des)acordo ortográfico

Em Novembro de 2009, o embaixador do Brasil na CPLP (com sede em Lisboa), Lauro Moreira, entrevistado sobre este assunto polémico explicava e defendia assim a posição do Brasil:
P – São vários países envolvidos...

LM – O essencial para mim no acordo é o facto de ele ter acabado com uma anomalia que durava há quase um século. Ou seja, a terceira língua mais falada do Ocidente ter duas vertentes ortográficas, ambas oficiais e excludentes, com importantes implicações quer nos organismos internacionais quer no dia a dia. Uma criança, por exemplo, vem do Brasil para aqui com 10 anos de idade, já alfabetizada e, de repente, escreve óptimo sem o p, batista sem o p, tecto sem t, tacto sem c, e vai ser reprovada. E o mesmo com uma criança que vai para o Brasil e faz o contrário.

P – A unificação ortográfica impor-se-á com o tempo...

LM – A verdade é que a língua é uma só. É a nossa língua. É natural que tenha nuances fonéticas que variam segundo as regiões. Em África não se fala como em Portugal ou no Brasil. Está no meio do caminho. Isso é muito interessante. O africano já articula mais as vogais, mas ainda está mais ligado a Portugal. E há as variantes lexicais. Palavras que são usadas com sentidos diferentes em Portugal e no Brasil, ou só em Angola e Moçambique. São palavras oriundas das línguas locais e que já integram o léxico português. Quando digo no Rio de Janeiro “eu vou tomar o bonde para Santa Teresa”, em Lisboa digo “vou apanhar o eléctrico para o Chiado”, e em Maputo digo “vou apanhar o machimbombo para ir à praia”... isto só enriquece a língua. São três palavras para indicar o mesmo objecto. O que empobrece e complica a língua é quando escrevo eléctrico no Rio, sem o c, e em Portugal com o c. Com o c no Brasil é errado, sem o c aqui é errado. É um absurdo completo.”
In Tempo Livre, 23, Nov. 2009)

Deitando agora mais uma acha na fogueira, e pegando directamente no argumento invocado pelo Embaixador, podemos sempre comparar com o caso da língua mais falada e escrita do mundo: o inglês. As diferenças ortográficas e vocabulares entre o inglês falado e escrito na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América são evidentes e nunca me pareceu que, por isso, fossem “excludentes”, como aponta o ilustre entrevistado. Bem pelo contrário: a maioria das publicações contempla até as duas versões da língua em paralelo e nunca ouvi ninguém opinar que isso era “absurdo”. Se todos são unânimes ao afirmar que a natureza primeira das línguas vivas é a sua diversidade, e se todos concordam ainda que isso é um factor de enriquecimento e uma garantia da sua sobrevivência, então não se percebe muito bem por que motivos se têm agora que unificar em alguns aspectos e manter a diversidade noutros, nem que vantagens imediatas daí advêm para os seus falantes.

Neste sentido a perspectiva defendida por Mia Couto parece-me bem mais interessante e, sobretudo, mais respeitadora da nossa “língua-pátria”:

Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.
A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como escrita e o mundo mutuamente se desobedecem. Meu anjo-da-guarda, felizmente, nunca me guardou.”

Certo é que, enquanto a Língua for a “asa” que permite o “voo” dos pensamentos, das emoções e das vivências dos seus falantes, enquanto a Língua servir para nela colocarmos as “dimensões da Vida”, mesmo aquelas que não conhecemos nem sabemos muito bem como expressar, mas que conseguimos sentir e apreender naquilo que outros escrevem ou dizem, ela – a Língua - terá mais força que todos os (des)acordos ortográficos com que a queiram espartilhar.

2 comentários:

platero disse...

bom trabalho o teu

há é que ver como vão funcionar as coisas quando for altura de ensinar às criancinhas

beijinho

FM disse...

Não duvides de que será como a TLEBS, os Novos Programas, as reformas curriculares e tudo o resto que à educação diz respeito: à portuguesa!

bj